Sempre gostei de conviver e conversar com pessoas mais velhas. Convivi muito com meus avós (os paternos são meus padrinhos) gosto das memórias, das histórias, das fotos de família, das texturas e marcas que a vida deixou ali, no corpo e nas emoções. Gosto do tempo dos idosos, mais pausado, mais sereno - um sereno que não assusta... Ao mesmo tempo, me angustia a proximidade com o fim - mais um tema para a terapia!
Conheci algumas pessoas que me mostraram a vitalidade de uma forma crua, direta! Quando vi pela primeira vez o banco de cavalo marinho de Mestre Batista, em Aliança/PE, em meados de 95, sai profundamente modificada. Aquele encontro foi fundamental para uma série de escolhas pessoais, estéticas e profissionais, mas hoje vejo que a maior lição daquela noite foi a vitalidade daquelas pessoas que mesmo depois de passar o dia todo em trabalhos braçais, passavam a noite toda (cerca de 8 horas) dançando, cantando, tocando, interpretando, com uma energia contagiante! Hoje, continuo convivendo com muitos daquelas pessoas, principalmente com Biu Roque, 75 anos (estou co-produzindo o disco dele agora), e mesmo mais frágil fisicamente do que quando o conheci, continua tão cheio de vida quanto a 14 anos atrás. Poderia citar diversos exemplos de festas, cavalos-marinho, sambadas que depois de tocar e"brincar" a noite toda, Biu Roque seguiu firme e animado, tocando até o sol já estar bem forte no céu.
Em meados de 97, eu com meus 18 anos fui a Alagoas com a Comadre Fulozinha e a grande espectativa da viagem era conhecer a afamada Mestra Virgínia, então com cerca de 80 anos, e nós cantávamos várias músicas dela. Fomos até a sua casa, ela não estava. A notícia é que D. Virgínia teria ido a um reisado que ficava a uns 6km de lá. Fomos lá! Eu estava com uma gripe bem forte, com direito a febre e amidalite. Chegando lá em no reisado de Mestre Pituguari, a imagem era a de uma senhora dançando, cantando e reclamando com as meninas mais novas porque elas não dançavam de maneira tão animada como deveriam... Fiquei boa parte da noite no carro, com "medo do sereno" e tentando melhorar da febre... Quando, no meio da madrugada, resolvi descer do carro e "encarar" a brincadeira, conversei um pouco com D. Virgínia e soube que ela tinha levado uma mordida de cachorro na perna e que mesmo assim, tinha andado os 6km até aquele local, estava dançando a noite toda e ainda era a mais animada mesmo com tudo isso e com seus 80 anos nas costas... Confesso que me senti constrangida de ter passado a noite quase toda no carro com medo do sereno "ofender" a minha amidalite...
Biu Roque, D. Virgínia, Mestre Pitiguari e outros tantos artistas me ensinaram uma das maiores lições: a arte é uma necessidade orgânica e que é ela que nos faz viver!
E quando esse medo do fim e da morte chegam, o Tempo mostra sua presença sempre. Mostra que os "fins" e a "morte" são tão necessários quanto a vida e os "começos". E que não é preciso ser velhinho pra morrer e que por isso, não precisa morrer por estar ficando velho. Nesse momento, a vitalidade mostra a sua face novamente!
2007 - Eu e Biu Roque no intervalo das gravações; ele com 74, meu colar e meu óculos; eu com 28, aprendendo... * Foto: Nara Cavalcanti